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Caminhos da Educação Integral no Brasil: direito a outros tempos e espaços educativos

Maria Beatriz Pauperio Titton

O livro Caminhos da Educação Integral no Brasil insere-se num conjunto de obras que vêm oportunizando reflexões acerca da educação como formação
integral, não como uma retórica, mas como um projeto coletivo viável, concretizado em práticas que possibilitam reinventar a escola, ressignificando não só seu lugar, central num projeto educativo, mas, sobretudo, como articuladora de ações, de educadores, agentes e instituições.

A organização desse livro muito se assemelha ao processo que instituiu, a partir de 2007, sob a coordenação do Ministério da Educação, amplo debate no
território nacional sobre Educação Integral, alavancado pelo documento Educação Integral: texto-referência para o debate nacional (BRASIL, Ministério
da Educação, 2009), por sua vez fruto de trabalho conjunto de representantes de diversas instâncias e esferas, além de pesquisadores, professores e educadores de várias regiões do país. A professora Jaqueline Moll, também responsávelpela organização desse livro, vem, desde então, assumindo a gestão do processo que busca identificar e dar visibilidade a experiências já em curso, por meio de estudos realizados com o auxílio de pesquisadores de Universidades públicas, e incentivar e acompanhar tantas outras construídas e construindo-se, principalmente pela adesão ao Programa Mais Educação, indutor da política de Estado para a Educação Integral.

A importância desse registro deve-se ao fato de que a referida professora conseguiu organizar o livro através também de um amplo e democrático processo, em que escolhas e decisões foram sendo tomadas, uma a uma, no diálogo com e entre os autores e seus pontos de vista, ou a partir da vista de seus pontos, diversos, diferentes e complementares. Entusiasta de iniciativas que propicia a reinvenção da escola, orquestrou uma obra coletiva, polifônica e reveladora do movimento que atravessa o país em direção à ampliação não só dos tempos de e na escola, mas dos espaços entendidos como significativamente educativos.

Portanto, mais do que mais um livro sobre o tema da Educação Integral, Caminhos da Educação Integral no Brasil reúne textos que reafirmam o direito
a outros tempos e espaços educativos, que só pode ser assegurado mediante um projeto de educação que considere a integralidade do ser humano e a responsabilidade social, portanto, coletiva, por esse projeto, o que demanda, certamente, novos pactos entre educadores, sociedade e governo.
O livro vem somar-se a outros, e, como em espiral, mergulha na história da educação brasileira e revisita autores consagrados e oferece subsídios para os debates e a reflexão sobre as práticas que vêm caracterizando o crescente movimento nacional em direção à Educação Integral a partir da escola, buscando inspiração nos processos históricos que oferecem, a cada tempo, pelo protagonismo de pensadores, novas ideias e conceitos. No prefácio, Lia Faria aponta a contribuição do livro enquanto referencial teórico para pesquisas, para a compreensão das marcas/marcos que, historicamente, permearam a luta pelo direito à educação no Brasil e para a visibilidade de experiências que revelam a possibilidade de repensar a escola pública brasileira em seus limites históricos e pedagógicos.

Mesmo que segmentado em três partes, cada uma delas com um conjunto de artigos que se aproximam quanto à abordagem do tema, o livro se organiza
de modo a garantir a articulação e a complementaridade das reflexões apresentadas. Essa organização poderia estar a sugerir a não superação da dicotomia teoria-prática, uma vez que os artigos iniciais debruçam-se em considerações mais amplas e teóricas sobre a Educação Integral nos contextos históricos e políticos, enquanto que, na sequência, seguem-se artigos que estabelecem uma relação mais estreita entre teoria e prática, enfocando desafios do cotidiano da escola, até chegar-se, na terceira e última parte, à concretude de experiências resultantes de projetos educativos reais em curso no Brasil ou de sua história.

O que se vê, no entanto, é uma importante contribuição a educadores que circulam nas escolas, nas universidades, na gestão pública e na sociedade
civil, para a construção de projetos na direção da Educação Integral, oferecendo referências teóricas e práticas. Ou seja, o livro, pela sua forma de organização, pode subsidiar a elaboração de projetos educativos em termos de fundamentos, contextos e possibilidades, ajudando a problematizar questões como o que se quer, o que se tem à disposição e o que se pode fazer acontecer ou, simplesmente, a relação entre História e utopias, necessidades e recursos, ações e realizações.

Miguel Arroyo, autor que vem inspirando iniciativas pedagógicas por todo o Brasil sob a perspectiva de novos tempos na escola, abre a primeira parte do
livro, intitulada Compondo matrizes para o debate e composta por oito artigos, discorrendo, no texto O direito a tempos-espaços de um justo viver, sobre políticas públicas e programas governamentais e a necessidade de serem superadas visões negativas sobre as infâncias-adolescências populares e de reforçar seu protagonismo e suas presenças afirmativas. Carlos R. Brandão, no artigo O outro ao meu lado, reflete sobre tempos remotos e atuais para pensar a partilha do saber e a educação de hoje, apontando para a importância de uma educação voltada à formação de pessoas capazes de criar um novo mundo humanizado.

Ainda nessa primeira parte do livro, três artigos debruçam-se sobre pressupostos conceituais e históricos acerca da Educação Integral a partir de educadores fundamentais para o debate contemporâneo: Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro e Paulo Freire. O direito à educação e a (re)humanização da educação continuam sendo referenciais para a problematização da qualidade social da educação pública, segundo Marcos Antonio M. das Chagas, Rosemaria J. V. Silva e Silvio Claudio Souza no texto Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro; também para Celso Ilgo Henz em Paulo Freire e a Educação Integral e Jaime Giolo em Educação de tempo integral. Fechando esse momento do livro, Ubiratan D’Ambrosio, com o artigo Formação de valores: um enfoque transdisciplinar, adverte que a Educação Integral implica na construção de conhecimento e na vivência de sistemas de valores subordinados à ética maior de respeito, solidariedade e cooperação; Marta K. O. Rabelo, com Educação Integral como política pública: a sensível arte de (re)significar os tempos e os espaços educativos, destaca o Programa Mais Educação para discutir a concepção de Educação Integral como política pública. E Jaqueline Moll discorre sobre os compromissos para a consolidação da Educação Integral como política pública e as contribuições do Programa Mais Educação no artigo A agenda da Educação Integral.

Na segunda parte, denominada Possíveis configurações da escola, os projetos educativos e o currículo podem ser vistos como elementos centrais das
reflexões em que diferentes pesquisadores abordam tanto relações de ensino e de aprendizagem e práticas de gestão quanto a formação de educadores e interfaces com agências formadoras, saberes e conhecimentos, aproximando pressupostos teóricos e cotidiano da escola e desvelando novas relações que surgem a partir de um novo paradigma de Educação Integral. O texto de Suzana M. Pacheco e Maria Beatriz P. Titton, Educação Integral: a construção de novas relações no cotidiano, e Os jovens educadores em um contexto de Educação Integral, de Juarez Dayrell, Levindo D. Carvalho e Saulo Geber, debatem a presença de novos atores no interior da escola, em especial os jovens educadores, cujas características, estéticas e saberes nem sempre são reconhecidos, sendo percebidos estranhamentos nas relações com outros educadores.

Oferecendo contribuições importantes para a revisão de currículos, outro conjunto de artigos debate temas como sustentabilidade, intertransculturalida de, educação para a paz e direitos humanos: Rachel Trajber discute políticas públicas para os desafios da contemporaneidade em Educação Integral em escolas sustentáveis; Roberto Padilha defende a necessidade de articular saberes a partir de ações e parcerias intergeracionais, interterritoriais, intersetoriais e interculturais, princípios caros para a operacionalização de quaisquer projetos de Educação Integral, em Educação Integral e currículo intertranscultural; João Roberto de Araújo, em Ensinar a paz: proposta para um currículo de Educação Integral, analisa a relação entre agressividade, educação e violência; Paulo César Carbonari, em Direitos humanos e Educação Integral: interfaces e desafios retoma a ideia de educação enquanto formação de sujeitos de direitos.

Temas como alfabetismos e letramentos e sua relação com o Programa Mais Educação são debatidos por Ivany S. Ávila, no texto Por entre olhares,danças, andanças, os alfabetismos, letramentos na perspectiva da Educação Integral, assim como o da aprendizagem significativa é objeto de reflexão de Alexsandro dos S. Machado, em Ampliação de tempo escolar e aprendizagens significativas: os diversos tempos da Educação Integral. A questão da formação de professores, tanto do ponto de vista de política pública quanto do de interfaces com a universidade, é tratada por Verônica Branco, em A política de formação continuada de professores, e Inês Mamede, em A integração da universidade para a formação.

Encerrando essa segunda parte do livro, Carmen Teresa Gabriel e Ana Maria Cavaliere, em Educação Integral e currículo integrado: quando dois conceitos se articulam em um programa, buscam identificar os conceitos de Educação Integral e currículo integrado à luz de diferentes tendências e perspectivas teórico-metodológicas, em documentos referenciais do Programa Mais Educação. E Simone Valdete dos Santos, em Educação Integral e educação
profissional, discute as interfaces possíveis entre educação profissional e Educação Integral com destaque ao PROEJA (Programa Nacional de Educação Profissional Integrada à Educação de Jovens e Adultos), instituinte de práticas pedagógicas na perspectiva da Educação Integral.

Até esse momento do livro é possível observar o diálogo entre teoria e prática, num crescendo, em que elementos teórico-práticos vão sendo oferecidos para que se possa pensar em possibilidades e desafios decorrentes de políticas, programas e ações, observados pelos diferentes autores, a partir dos lugares que ocupam no debate sobre Educação Integral na atualidade. Na terceira e última parte do livro, Vivências e itinerários em políticas públicas, o Brasil da diversidade ganha corpo nas significativas experiências de estados e municípios, dando visibilidade a histórias bem sucedidas de gestão pública na direção da Educação Integral, em que os autores refletem sobre concepções teórico-metodológicas dos projetos propostos e os impactos não só nos processos educativos da escola, mas também da comunidade e da cidade.

Abrindo essa parte, Gesuína Leclerc aborda a organicidade do Programa Mais Educação enquanto uma estratégia indutora da Educação Integral, no artigo Programa Mais Educação e práticas de Educação Integral. Experiências estaduais de Educação Integral são apresentadas por Adriana Sperandio e Janine M. P. de Castro, em Mais tempo na escola: desafios compartilhados entre gestores, educadores e comunidade escolar da rede estadual de ensino do Espírito Santo (ES); também por Claudia Cristina P. Santos e Roberto Carlos Vieira, em Reflexão sobre o Programa Mais Educação na rede estadual de ensino da Bahia (BA); por Jaime Ricardo Ferreira e Seila Maria V. de Araújo, em Ampliação de tempos e de oportunidades no contexto escolar da Secretaria de Educação de Goiás (GO), e por Rosa Luzardo, em A experiência nas escolas de Cuiabá (MT), numa iniciativa do governo estadual.

Experiências municipais, oferecendo subsídios em termos de diretrizes conceituais e metodológicas, são apresentadas por Danilo de M. Souza, em A experiência em Palmas (TO); Cláudio Aparecido da Silva, em O arranjo educativo local: a experiência de Apucarana (PR); Maria Antônia G. da Silva, em Diretrizes conceituais e metodológicas do Programa Bairro-Escola de Nova Iguaçu (RJ); Neuza Maria S. Macedo, Macaé Maria Evaristo, Madalena
F. Godoy e Tadeu Rodrigo Ribeiro, em A experiência da escola integrada em Belo Horizonte (MG); Lúcia Helena Couto, Ana Lúcia Sanches e Sonia Tatiane Ramos, em Com mais, a criança faz muito: experiência da rede municipal de Diadema (SP), e Lucineide Pinheiro e Rosa Luciana P. Rodrigues, em A experiência da rede municipal de ensino de Santarém (PA).

Os textos finais do livro contemplam, sobremaneira, as interfaces entre a escola, a sociedade civil e o Estado, dois deles revisitando os CIEP (Centros Integrados de Educação Pública) e seus pressupostos, em A construção dos centros integrados em Americana e Santa Bárbara D’Oeste (SP), por Herb Carlini, e em Das escolas do Amanhã ao ginásio carioca: a Trajetória da Educação Integral na cidade do Rio de Janeiro (RJ), por Heloísa Messias Mesquita, e os demais abordando a participação das organizações não governamentais no debate nacional: Comunidades educativas: por uma educação para o desenvolvimento integral, de Natacha G. da Costa; A contribuição das organizações não governamentais para o debate da Educação Integral, de Maria Júlia A. Gouveia, Lucia Helena Nilson e Stela Ferreira, e Conexão Felipe Camarão: experiência de educação, cultura e tradição oral, de Vera Santana.

É possível perceber, no conjunto de textos, a convergência de ideias dos diferentes autores ao problematizarem a escola pública e acenarem para as reais possibilidades de sua reinvenção, sendo a promoção da Educação Integral, aqui claramente compreendida em sua plenitude de formação humana, não só uma escolha metodológica, mas principalmente uma ação política, social e 300 Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 45, p. 295-300, jul./set. 2012. Editora UFPR Titton, M. B. P. Caminhos da Educação Integral no Brasil… filosófica. O volume da obra justifica-se pela consistência das reflexões nela contidas, oferecendo material substancial para a continuidade do debate sobre Educação Integral.

Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n. 45, p. 295-300, jul./set. 2012. Editora UFPR

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